Prefácio - MEMÓRIAS DE UM TIGRE

PREFÁCIO
                Cezar Sizanoski,  filho de Piraquara como eu, lança seu livro de contos e dá-me a honra de nele escrever algumas palavras. Considero de suma importância uma obra desse quilate. Embora seja adepto da história, entendo de que a literatura contista reverte-se da maior importância. Por mais ficcional que possa ser sempre tem um fundo de verdade. Nada é ficção pura. Nos contos é que encontramos os registros dos usos, dos costumes e das manhas dos lugares e dos tempos. Aquilo que até vivenciamos e não nos lembramos mais... Cezar com muita propriedade registra isso. São também registros históricos.
                História dessa Piraquara que como município, nasceu Deodoro. Em 1.929 esqueceram o marechal e ela voltou a ser buraco do peixe. Já teve tudo. Nunca teve peixe. Teve banda de música, grupo escoteiro, tiro de guerra e trem de passageiro. Colônia italiana, fabricação de vinho, distrito de Pinhais, hoje município vizinho. A cidade da água, do manancial. O que não é represa, é mata de preservação providencial. Dizem que a água será a futura riqueza do mundo, assim com certeza, ficará milionário o seu Edmundo.
                A leitura das crônicas nos transporta aos tempos de antanho. Que saudade que dá os meus oito anos... Da única sorveteria que havia e se chamava Apolo. Ficava na via principal que nem nome tinha. Não precisava. Era a única. Ah os anos cinquenta! Numa dessas idas a Apolo encontrei quem à época considerava o meu ídolo. Cidadão afável, solícito e amigo. Como todos desse quilate, tinha um defeito: bebia, digamos um pouco além da conta. Encontrá-lo  sóbrio era algo raro e nem era bom. Melhor quando estava meio “turbinado” que ele dizia: “sapecado”... Era o homem das tarefas difíceis. Uma espécie de bombeiro particular. Tudo o que ninguém fazia era com ele mesmo. Cavalos bravios, vacas chifrudas, cobras, enxame de abelhas, poda de árvores altas, telhados complicados, era só chamá-lo e só liberar a “gasolina depois do expediente”. Sempre tinha clientes... Não levava desaforos para casa, até porque não tinha. Uma vez perguntei-lhe sobre isso e lembro que me respondeu: - “Minha casa é embaixo do chapéu”.  
                Nessa época era delegado de polícia na cidade um respeitável cidadão da comunidade. Comerciante abastado, mas que das lides jurídico-policialescas entendia pouco. Nem fazia questão e a comunidade nem assim o exigia. Se hoje dizem que os delegados sem curso jurídico são os “calças curtas”, aquele era sem calças. Ainda assim, creio ter sido ele o inventor das penas alternativas. Eram cumpridas com serviços, na casa dele... Voltemos à Sorveteria Apolo. Era uma manhã. Logo ao entrar e antes mesmo de pedir o sorvete, vimos nosso ídolo tomando uma logo cedo. Daquelas “para firmar a lataria”. Ao lado havia uma mesa de bilhar onde dois rapazes davam suas tacadas. Eis que não sabendo eu a causa nem os motivos, um deles entra em entrevero com o nosso ídolo. Esse, não deixou por menos, fitou-o fixamente e foi dizendo: - “Vou tirar 3 dias de corte de lenha para o “seu” delegado. Vou até aí, tomo-lhe esse taco, quebro-o no joelho e com o toco abro-lhe a cabeça”. O rapaz mandou vir. Ele foi. O resultado? Tudo conforme o descrito... A cabeça do jogador ficou sangrando e o nosso ídolo pegou o rumo da casa da autoridade, sem ao menos sequer passar pela delegacia. Anunciou, cometeu o crime, fez seu auto-julgamento e foi pagar a pena. A justiça naquele tempo era rápida e nem tinha papel... Essa foi uma das Piraquaras que eu vi. Por lá fiquei por muito pouco tempo. O Cezar com muito mais tempo, viu muito mais. O seu cotidiano é bem retratado aqui em seus contos. Com suas leituras, nossa memória que tudo arquiva e nada deleta, voltará a avivar-se. O que será muito bom. Se recordar é viver novamente, façamos isso com as deliciosas leituras dos contos do Cezar. E vamos aproveitá-los bem. São poucos os que fazem isso. Pode até nem haver mais...

Antonio Tomaz – Escritor
Autor do Livro:  Colônia Imperial  Santa Maria do Novo Tirol da Boca da Serra.
Diretor da Sociedade Numismática Paranaense.

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